Pisa: alunos brasileiros 'estacionam' em leitura, ciências e matemática e sofrem mais com bullying e solidão
O desempenho de alunos brasileiros em leitura, matemática e ciências teve discreta melhora, mas é considerado "estacionado" na última década e ainda distante do salto de qualidade necessário para alcançar outros países de renda média ou alta, segundo indicam os dados do Pisa 2018, exame internacional de educação realizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e tornado público nesta terça-feira (3/12).
Os estudantes brasileiros pontuaram 413 em leitura, 384 em matemática e 404 em ciências — respectivamente, três, cinco e dois pontos acima do exame anterior, realizado em 2015. O relatório da OCDE enxerga isso como mudanças pouco significativas estatisticamente e não necessariamente indicativas de uma tendência de alta.
"A performance média em matemática melhorou ao longo do período de 2003 a 2018, mas a maioria dessa melhoria foi nos primeiros anos (da década passada)", diz o relatório do Pisa sobre o Brasil. "Depois de 2009, em matemática, assim como em leitura e ciências, a performance média não mudou significativamente (...) e parece flutuar em torno de uma tendência horizontal."
Para efeito comparativo, a maior pontuação global no Pisa é dos chineses: os estudantes das áreas de Pequim, Xangai, Jiangsu e Zhejiang tiveram, respectivamente, 555, 591 e 590 em leitura, matemática e ciências. Vale destacar que a pontuação do Pisa não tem mínimo ou máximo, é apenas uma medida de comparação entre os desempenhos dos alunos dos diferentes países, tendo o número 500 como referência.
Para além da performance no exame, chama a atenção também a percepção dos estudantes sobre o ambiente escolar. Quase um terço (29%) dos brasileiros que participaram do Pisa afirmaram terem sido alvo de bullying ao menos algumas vezes por mês (contra 23% na média da OCDE).
E 41% dos estudantes brasileiros também disseram que, na maioria das aulas, os professores têm de esperar um longo tempo para a turma se acalmar e fazer silêncio (na média da OCDE, isso foi de 26%).
Quase um quarto dos alunos brasileiros afirmou se sentir solitário no ambiente escolar — índice também acima da média internacional, de 16%.
A sensação de clima insatisfatório na escola pode levar os alunos a se ausentarem mais da escola, aponta a OCDE. "No Brasil, 50% dos alunos faltaram um dia ou chegaram tarde nas duas semanas prévias à realização do Pisa. Na maioria dos países, estudantes alvos frequente de bullying têm maior probabilidade de faltar, enquanto estudantes que valorizam a escola, sentem um clima mais disciplinado e recebem suporte emocional maior têm menos probabilidade de se ausentar."
Resultados globais
O Pisa é o principal exame internacional em educação e mede, a cada três anos, o desempenho de estudantes de 15 e 16 anos — idade em que a maioria dos alunos caminha para o fim do ciclo da educação básica — de 79 países ou regiões (sejam eles membros da OCDE ou parceiros, como no caso do Brasil).
A medição ocorre por meio de um teste computadorizado de duas horas de duração nas competências de leitura, matemática e ciências.
Segundo Andreas Schleicher, coordenador do Pisa, o objetivo não é medir conhecimentos específicos (por exemplo, se os alunos sabem aplicar determinada fórmula matemática), mas sim se as escolas são capazes de prepará-los para a vida adulta — na prática, se esses estudantes são capazes de entender plenamente um texto, formular, empregar e interpretar conhecimentos matemáticos em diferentes contextos e compreender conceitos, dados e fenômenos científicos que lhes permitam engajar-se na sociedade como um "cidadão letrado".
Participaram da edição de 2018 cerca de 600 mil estudantes, representando um universo de 32 milhões de alunos no mundo inteiro — a maior amostra já coletada pela OCDE desde o início do Pisa, em 2003.
Na edição de 2018, as maiores pontuações foram obtidas pelos asiáticos: cidades e territórios sob domínio chinês (incluindo Macau e Hong Kong) e Cingapura.
Também se destacaram, como de costume, pequenos países do norte da Europa (Estônia, Finlândia e Irlanda) e o Canadá, que têm sistemas de ensino considerados referências internacionais.
A pontuação brasileira é inferior também à de alguns países latino-americanos, como Chile, Uruguai, Costa Rica e México, mas tem níveis parecidos ou levemente superiores aos de outros vizinhos (Argentina, Peru e Colômbia).
Na média, os estudantes do Brasil pontuaram parecido aos de países como Brunei, Catar e Albânia.
Leitura, matemática e ciências
A leitura é a competência em que o Brasil vai um pouco melhor que as demais, embora distante dos patamares considerados ideais.
Metade dos estudantes alcançou ao menos o nível básico de proficiência em leitura no Pisa, o que significa que eles conseguem identificar a ideia-chave de um texto.
Só que apenas 2% dos jovens brasileiros alcançaram níveis altíssimos de compreensão em leitura, no qual são capazes de entender textos mais longos e ideias contraintuitivas ou abstratas.
O quadro é pior em matemática: apenas um terço dos estudantes brasileiros alcançou o nível básico nessa competência. Portanto, 68% dos estudantes brasileiros (contra 2% nas cidades chinesas medidas no Pisa) não conseguem "interpretar e reconhecer como uma situação simples pode ser representada matematicamente", segundo o relatório.
Em ciências, 45% dos brasileiros estão no nível básico, o que significa que são capazes de "reconhecer a explicação correta para um fenômeno científico conhecido".
Diferenças socioeconômicas — e entre meninos e meninas
E quem vai bem ou mal nessas competências? O Pisa mostra que existem disparidades de renda e de gênero por trás de alguns resultados.
"O status socioeconômico foi um forte previsor do desempenho (dos alunos) em leitura, matemática e ciências no Brasil", diz o relatório. "Estudantes em situação de vantagem (financeira) foram melhores que os em desvantagem em leitura por 97 pontos." Situações semelhantes foram observadas em matemática e ciências.
A OCDE destaca, porém, que essas condições socioeconômicas, embora importantes, não necessariamente definem o futuro dos alunos.
"Cerca de 10% dos estudantes brasileiros em desvantagem conseguiram pontuar entre os maiores em leitura, o que indica que a desvantagem não (determina) seu destino", diz o texto.
Sobre as diferenças de gênero, velhos estereótipos sobre habilidades de meninos e meninas parecem persistir: elas se saíram melhor em leitura e eles, em matemática. Quadro semelhante foi observado nos demais países que participaram do Pisa.
O relatório diz que, entre os estudantes de alto desempenho, um terço dos meninos brasileiros quer virar engenheiro ou cientista, porcentagem que cai para 20% entre as meninas.
O que o Pisa mostra de positivo
Embora aponte para um quadro de estagnação da educação brasileira nos anos finais da educação básica e evidencie a dificuldade em escalonar estratégias bem-sucedidas para todas as redes — o que é confirmado por especialistas na área —, o relatório do Pisa traz alguns poucos dados que são considerados positivos.
O primeiro deles destacado pela OCDE é de que o Brasil conseguiu incluir, ao longo das últimas décadas, um número grande de alunos na educação básica sem, com isso, "sacrificar a qualidade".
No que diz respeito ao ambiente escolar, embora haja um percentual alto de alunos sofrendo bullying, 85% deles defendem que é importante ajudar estudantes que não sejam capazes de se defender sozinhos.
Por fim, 65% dos alunos brasileiros se dizem satisfeitos com suas vidas, e uma porcentagem parecida tem a chamada "mentalidade de crescimento": ou seja, sabem que sua capacidade de aprender e ser bem-sucedido é maleável e discordaram da frase "sua inteligência é algo que você não consegue mudar muito".